terça-feira, 20 de março de 2012

Importância relativa

Estava escuro, e eu andava pela rua principal um pouco sem vontade. Você sabe, a distância desanima qualquer um, e depois de um dia cansativo de trabalho aguentando um chefe chato e clientes insuportáveis não tem um que fique feliz. Nem quis pegar o ônibus de tão lotado que estava, mas esqueci que minha casa fica muito longe do trabalho. Eu acho que brasileiro é assim mesmo, tem mais é que se foder, não sabe escolher político, inclusive tem um primo meu que vai sair candidato e... hein? Ah sim, a história. Desculpe, perco a linha com essas coisas, aqui nessa cidade tá tudo errado. Você sabe né, vive aqui também? Não? Bom, aqui tá tudo zoado, uma bagunça só...
Enfim, tava andando, sem olhar pra cima ou para os lados, cansado e nervoso porque algum idiota num carro preto passou na única poça que tinha na rua e me molhou inteiro, o filho da puta. Mas eu marquei a placa dele, e ele vai ver só, inclusive você é da imprensa né? Publica que eu vou atrás dele e vou processar, tenho um tio no Detran que vai puxar os dados e... hm? Me perdi de novo, é isso? Mas você pode publicar? Ah, me dá uma força vai, tô te dando exclusividade nessa história que vai vender muito, quebra a minha aí irmão... vai pensar? Tá bom. Então, seguia molhado e nervoso quando resolvi olhar pro céu. Não sei o que me deu, sabe quando você simplesmente sente que algo não está certo? Um arrepio assim na base da espinha meio esquisito... A Maria falou que é a idade, mas tem um conhecido meu que é enfermeiro no SUS que disse que pode ser gota. Mas no SUS você não pode confiar né, essa saúde brasileira é um lixo, como eu disse culpa dos políticos que não pensam na população e só nos bolsos deles, meu primo disse que com ele vai ser diferente e... pô cara, assim não vai dar. Você me corta toda hora, não deixa eu falar nada, assim vou chamar outro repórter pra me entrevistar, e o jornal dele vai vender muito e o seu chefe vai demitir você, porque você não quis a exclusiva, deixa eu repetir EX-CLU-SI-VA dessa história que é ouro. Vai se acalmar e deixar eu falar ou não? Sim? Isso garoto. Ô Maria, traz um copo d'água pro garoto que ele tá nervoso. Tem um emprego que é uma beleza, só anda por aí ouvindo a gente, o povo que realmente trabalha duro e fica nervoso assim. Lá na minha fábrica você não ia durar dois dias, o pessoal ia te comer vivo, com esse seu cabelo de franguinho e esse jeito de falar... Vem cá, você é bicha né? Falando desse jeito, com um monte de palavra que não conheço tem que ser. Vai pegar mulher, sua vida vai melhorar. Pronto, tomou a água? Então, estava andando e senti que devia olhar pra cima, a Maria falou que foi Deus que chamou, mas eu acho que eu senti um aviso do universo. O universo fala, eu li um livro uma vez que falava que tem um planeta que vem bater na gente, coisa séria... Enfim, estava eu olhando pra cima quando eu vi. Um rastro de luz vermelha que tinha na ponta um disco laranja e fazendo movimentos impossíveis no céu. Avião não era, que eu nunca vi avião em formato de disco. Bicho não brilha no céu, nem voa tão alto. Não acredito na Maria, que disse que era o capeta me tentando. Vi um monte de filmes na TV sobre ET's e toda essa baboseira que eu também não boto muita fé. Minha avó falava que quando isso acontecia eram os espíritos dos índios que começavam a ir pro outro mundo, onde tudo era mato de se ver e de fumar. Ela era filha de Tupis-Kaoiwás-Guaranis do baixo Tietê, um pessoal que nunca se rendeu aos portugueses e manjava muito do mundo e de como a banda toca no além. Sempre me contava quando eu era pequeno, com seu cachimbo na mão, fumando um troço fedido pra cacete que minha mãe falava que se eu fumasse também eu ia apanhar como nunca tinha apanhado antes. E olha que eu aprontava quando era pequeno hein. Teve uma vez que ela pegou eu e um primo nadando pelado, essas coisas de criança sabe? Tinha um rio perto de casa, a gente era novo, dava uns comichões esquisitos e tal... enfim, ela pegou a gente no ato e me surrou de vara de marmelo até sangrar. Naquela época era diferente, hoje todo mundo é mole, por isso o mundo está como está. Uma roubalheira, filho matando pai e...? Hã? Ah não, a história termina aí. Vi o rastro, voltei pra casa, falei pra minha mulher e fui dormir. Quando acordei, me toquei que era coisa grande, que tinha que falar com a mídia, tinha que mostrar que os índios antigos ainda tão aí, olhando pra baixo e falando que tá tudo fodido por aqui. Ainda bem que deixei a informação valiosa só pra você né? Então, sobre o cara que me molhou, meu primo falou pra aproveitar e falar pra você colocar o nome dele na notícia...