domingo, 29 de dezembro de 2013

Uma inadequada história - parte 1

Trechos resgatados do diário do Dr. Hans Schucrutz


15 de Fevereiro
Minhas viagens me trouxeram até a Suécia, onde repouso depois de minhas malfadadas expedições em busca de provas para os eventos descritos nas antigas lendas sobre o "Apocalipse das Borboletas". Reitero, como descrito no registro anterior, que a falta de apoio de meus pares acadêmicos foi a principal causa para o fracasso, visto que minha crença inabalável no acontecimento é motivo de piada.
Enfim, tendo isso como causa, acabei por ficar nesse país de clima agradavelmente gélido. Acabei por conhecer alguns interessantes residentes e, mais importante, um interessantíssimo bar conhecido por vender a vodca mais forte de toda Escandinávia. Tenho passado alguns dias e noites [que nessa estação são praticamente indistinguíveis] nesse simples estabelecimento, ouvindo e contando histórias.

5 de Março
Depois de certo tempo frequentando o Lundgren's, taberna registrada no escrito anterior, e de já ter todos os benefícios relativos à posição de cliente regular, contei a história de minhas expedições atrás do Apocalipse. Pela primeira vez em tempos, não recebi nenhuma forma de chacota ou risos implícitos ou explícitos. Ninguém me olhou com condescendência ou questionou sobre abusos na infância ou uso de entorpecentes. Não me chamaram de louco com diploma, não tentaram cassar minha licença. Todos me olharam impressionados. Aliás, não todos; a atendente e proprietária da casa, Srta. Johansson, pareceu-me incomodada mas não por supostas idiotices que estava dizendo. Cada detalhe que eu revelava sobre a história ela me olhava como se eu tivesse falado algo que não devia.
Ao terminar meu relato um de meus amigos locais, Frey Hein-Hagen, começou a falar que aquilo que eu havia descoberto era apenas superficial, mas foi interrompido por uma sessão grupal de tosses fingidas e canecas sendo derrubadas das mesas de propósito. A Srta. Johansson o escoltou para fora do bar dizendo que ele já tinha bebido demais, embora tivesse tomado apenas suco de tomate. Achei todas aquelas atitudes estranhas, mas um viajante experiente como eu tem que saber a hora de indagar sobre algo e a hora de calar-se. Isso foi há 4 dias atrás. Pela cidade agora sou alvo de olhares desconfiados e sussurros depois que eu passo. Será que, ao contrário do que me pareceu anteriormente, não levaram minhas crenças ao ridículo? Frey não apareceu mais no bar, e ninguém sabe me responder por onde ele anda.
Levei esta situação até onde pude. Ontem esperei todos saírem e, quando estávamos sós, resolvi interrogar a Srta. Johansson. Tomando um gole de coragem [que, estranhamente, pareceu vodca sueca] perguntei o que ela sabia sobre o assunto citado. Ela riu nervosamente e negou qualquer conhecimento, desde o paradeiro de Frey até borboletas sugadoras de cérebro, mas de forma pouco convincente.
Eu lhe ofereci dinheiro, ameacei, implorei e até tentei seduzi-la, mas meus encantos são por demais refinados para uma pessoa de tão baixo patamar intelectual, ao que parece. Saí do bar deixando a promessa de voltar.
Cheguei em meu quarto de hotel e encontrei-o completamente revirado. Nada foi roubado, mas encontrei um bilhete. Li, guardei-o no bolso, fui até a recepção e eles me disseram que nada foi visto, mas que talvez as câmeras tivessem gravado os responsáveis. Suspeito de algo incomum acontecendo, mas admito que não possuo evidências conclusivas.

6 de Março
Escrevo isso de dentro de um quarto no qual sou mantido refém. Não faço ideia da razão pela qual me capturaram, tampouco qual motivo os levou a me chutarem em diversos locais de meu corpo. Entraram em meu quarto na madrugada e ordenaram a rendição, algo que fiz sem sequer pestanejar. Talvez eu tenha gritado, mas isso é procedimento padrão nessas ocasiões, não? E me debati, apenas para compor a cena que se espera ao prender um luminar da sapiência como eu, mas nada fiz além disso. Que culpa posso ter se acertei a canela de um dos sequestradores enquanto segurava no colarinho do outro implorando em nome de minha mulher e filhos [não que eu os tenha, obviamente, é apenas mais um componente cênico necessário para compor a dramaticidade do momento]? Culpa tem eles de, apesar de arrombarem a porta, terem sido tão pacíficos em seus pedidos gentis para que eu os acompanhasse. Como não sabem como lidar com um tão ilustre prisioneiro?
De qualquer forma, cá estou eu escrevendo neste caderno que, em minha epifania involuntária ao comprá-lo escolhi, é pequeno. Digo que essa é uma vantagem pois ocultá-lo não foi uma tarefa difícil, ainda que em uma cavidade corporal que eu prefiro omitir do relato.
Já consegui entender, de uma maneira trôpega, que vão me interrogar. Sobre o que? Resta-me cuidar de meus ferimentos e uma vez mais ocultar esse caderno, para que não o peguem em revistas.

7 de Março
Admito, estou intrigado com o comportamento desses sequestradores. Novamente, fui tratado com uma cortesia completamente incabível na atual circunstância. Fui levado sem qualquer tipo de algema ou corda para o local, tive um jantar farto e variado [com uma única crítica, o pato com laranja estava seco demais, fato esse que fiz questão de levar ao chef] e sentei-me numa confortável poltrona de couro para responder perguntas. Após berrar e dizer que apenas sobre meu cadáver teriam qualquer resposta, tive como reação apenas pedidos para que eu me acalmasse e sorrisos simpáticos.
Que bando de amadores! Tive que novamente tomar a iniciativa, tentando agarrar meu interlocutor desconhecido [nota: esperar ele se apresentar da próxima vez] e dizer que nada sabia [ainda que só tivessem perguntado meu nome, se não me falha a memória]. Fui agredido covardemente, pelas costas, com um tapa que ainda deve estar marcado próximo ao refúgio deste caderno. Foi me atirada uma cópia de meu artigo, questionada qual a razão de minha pesquisa, qual me interesse e, por fim, o porquê eu queria impedir o Holocausto das Asas Leves. Essa última questão manteve-me absorto por uns instantes, de olhar fixo no cálice de Cognac em minhas mãos. Um questionamento absurdo, obviamente, mas algo nessa sentença emitida parecia não fazer sentido. Apenas após ser levado de volta à minha cela, consegui entender o que me incomodava: "Holocausto das Asas Leves" não era um bom nome para o evento, por isso que o preteri em favor de "Apocalipse das Borboletas". Como aquele homem tão bem apessoado teria escolhido o outro? Não me recordo de tê-lo escrito uma vez sequer, de tão abominável que me pareceu, então que razão o faria preferir o outro?
Enfim, deixarei o questionamento de lado e deitarei-me em minha cama de prisão, com lençóis de algodão egípcio de 550 fios e travesseiros de pluma de ganso das Antilhas. Nunca pensei que seria tão difícil manter-me são sob tão severas condições! Ao me puxarem fora da sala de interrogatório, enquanto fazia meu mise-en-scéne, tive a impressão de ver uma colossal asa azul celeste entrando pela janela. Aliás, embora não tenha descrito, ao ser carregado para meu cárcere atual, tive a mesma impressão na mesma sala. Do que se trata? Devo investigar mais a fundo, e para isso prolongarei minha estadia aqui. Decerto será fácil, afinal quem poderia rivalizar com meus artifícios? Repousarei agora e amanhã certamente terei novidades para relatar.



quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Um "até mais"

Houve o momento de se dizer;
Então o suspense do ar preso nos pulmões
Sem se tornar vocal
Um monte de propostas
Para se dizer
Dentes cerrados, mente aberta
Sentimentos complexos para expor
Palavras difíceis para descrever
Muito a dizer, pouco tempo
Decisão em breve instante
Na velocidade de um pensamento
Que desaparece na indecisão
E rói por dentro
E remói em silêncio
Não completa em fundação
Agora só uma ideia
Mais forte, intensa
Uma saudade quase plena
Felicidade, apenas
Amizade que faz falta
Daquela que só acontece de tempos
Em tempos
O sorriso não esconde
Mas a palavra disfarça
Mantém um pequeno controle
Com um discreto olhar
E a curta ideia
"Muito bom te ver, hein"