sexta-feira, 8 de julho de 2011

O homem que queria vender sua alma para Deus

Não há muito tempo atrás um homem resolveu vender sua alma para Deus. Antes havia tentado entrar em contato com o outro lado, para ouvir sua oferta. Não achou interessante passar a eternidade sofrendo por riqueza ou poder infinito, então decidiu tentar algo novo. Nada de igrejas ou seitas, o negócio era diretamente com o Todo-Poderoso.
Depois de algumas tentativas frustradas, ouviu de um ocultista qualquer um método infalível. Fez o ritual, e finalmente fez contato.
- Olá meu filho! – disse Deus ao aparecer, como luz, sons poderosos e uma bermuda florida.
- Olá Senhor... hmm.. Posso te chamar assim?
- Claro, fique à vontade – falou com um tom paternal, um pouco dissonante com seu boné do Pateta.
- Bem, como o Senhor deve saber, entrei em contato com seu concorrente para vender minha alma. A proposta dele não era tão ruim, mas a parte de viver a eternidade no inferno me assustou um pouco. Então, o que você me oferece pela minha alma?
- Eu? – Sorriu ironicamente, soltando lentamente a fumaça de um charuto que havia acabado de acender – Nada. Não me interesso por isso aí.
- Isso aí? Minha alma vale tão pouco para você?
- Uhum. Quase nada, na real.
- Putz, esperava outra reação de alguém que diz querer a salvação da humanidade...
 - Eu disse isso? Pra quem não tentou me buscar via igrejas ou afins você tem uma visão bem dogmática – Riu descontraidamente, bebericando em um abacaxi contendo uma Piña Colada.
- Mas isso não é verdade? – perguntou meio atordoado. A visão que tinha, mais o jeito de falar da aparição em sua frente estavam intrigando-o.
- É, se você quiser acreditar nisso. Pessoalmente, não tenho porque discordar.
- Então porque você não se importa com minha alma?
- Eu só acho que não vale o que tenho a oferecer. Se você quer sucesso e riqueza terrena, corra atrás. Minha jurisdição só começa depois que você passar pra cá.
- Mas se eu não te louvar, der glórias e afins nem vou me encontrar com você depois, não é?
- Possível. Mas quem sabe? Quer dizer, eu sei, mas não vou te contar – Riu escandalosamente, enquanto abocanhava um Big Mac.
- Bom, nesse caso acho que não temos mais o que conversar. Obrigado pelo tempo perdido.
- Ah, não fique assim vá. Vamos ver o que posso fazer por você. Interessa martírio doloroso expiador de pecados que lhe dará uma eternidade de felicidade? – Novamente, riu de forma quase obscena. Deu um tapa no abacaxi, jogou-o longe e materializou uma cerveja.
- Não, obrigado. Fico lisonjeado, mas deixe isso para o próximo candidato a santo. Vou indo agora.
- Ok, você quem sabe. Sabe como me achar né? Qualquer coisa dá um toque – Sumiu deixando-o sozinho na encruzilhada.
Tentou achar um sentido para tudo o que havia presenciado. Não conseguiu. Então tentou pensar no que fazer em seguida. Também não conseguiu pensar em nada.
Passado alguns anos, tentou falar de novo com Deus. Ao terminar o ritual, foi atropelado por um caminhão que virara a esquina da encruzilhada onde ele estava de supetão. Acordou com Deus ao seu lado, sentado numa cadeira de praia tomando água de coco.
- E aí? Pronto pro seu destino final?
- E qual será ele?
- Ainda não sei. Vai um coco?
Ele aceitou.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Por quê?


Não há razão aparente
Motivo por trás,
Um fim visado
Apenas o seguir como se nada ocorresse
Apenas o viver em nada proveitoso

Seguir um caminho
Com bravura de existir
Com a labuta de acreditar
E a ânsia por sentir

A bravata morrendo em seus lábios
Uma espada fincada
Em quem não pode ou quer se defender
Tristeza não há

Apenas a falta que você me faz.



Apenas a falta que você me faz.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Conto Inacabado


Tudo começou com uma fuga. Uma janela aberta, um lençol desarrumado e um quarto vazio. De manhã, ao notar que ela havia desaparecido, o desespero tomou conta das pessoas da casa. Procuraram nos arredores, ligaram para a polícia, falaram com os donos das vendas do bairro, o pessoal da igrejinha, as velhas fofoqueiras da rua debaixo... E nada. Um dia se passou, a tristeza tomou conta da mãe. Apenas 16 aninhos, ela repetia insistentemente. O pai olhava para o nada, com tomado pelas dúvidas. Foi sequestro? Ela fugiu? Por que não deixou um bilhete? Por que não ligou? Será que fui muito duro com ela em algo? No que se eu deixava essa garota fazer tudo? O irmão parecia meio alheio a tudo. Como irmão mais velho, sentia-se responsável pela caçula, sempre a defendia, conversava longamente sobre todos os assuntos... E não se lembrava dela ter citado a intenção de fugir. Tampouco ouvira algo do seu quarto, vizinho e com paredes tão finas que ouvia o barulho dela bocejando ao ir dormir.
Cinco dias se passaram, e nenhum sinal de vida. A polícia suspeitava de fuga, pela ausência de pedido de resgate ou de sinais de arrombamento na casa. A mãe chorava sem aviso, o pai estava cada dia mais confuso e o irmão ainda tentava se alocar naquela situação. O quarto fora arrumado aos prantos pela mãe, que achou estranho nada faltar. Todas as peças de roupa, maquiagem, documentos, dinheiro, tudo estava lá. Como ela fugira sem levar nada? Mas concordava que não havendo arrombamento a melhor hipótese era a fuga. Apenas 16 aninhos...
O pai ia para o trabalho e ficava de olho no telefone. Sempre fora muito amigo dela, ela ia ligar primeiro para ele. Saíam juntos com grande frequência, conversavam bastante... Era presente e parceiro dela, uma dupla dinâmica. Tinha a certeza que ela voltaria, que ia falar que foi uma brincadeira, dar um abraço e ser prontamente perdoada por todos eles.
O irmão ia para a escola, perguntava aos amigos dela se sabiam de algo. Ao fugir da aula para fumar escondido, ficava imaginando por onde ela andava. Namorado não era, conhecia todos e era temido por eles. Então o que poderia ser?

Passada uma semana, a resignação apareceu e um pensamento funesto se apossou de todos. Ela, que nunca tinha passado uma hora sem avisar onde estava não dava notícias. Começavam a se entregar à ideia de terem perdido ela para sempre.
E nesse momento, ela entrou em casa.

Espanto, choro, perguntas. Ela não parecia ter ficado uma semana fora. Mesma roupa, bem tratada, sorriso no rosto e apenas uma leve surpresa pelo desespero deles. Ninguém conseguir arrancar uma reposta dela sobre as razões da partida, nem qual foi o destino. Após duas horas interrogando, ameaçando e implorando, desistiram. Tudo bem ela voltara. Agora não havia mais razão para se preocupar. A normalidade seria restaurada, e novamente seriam um lar feliz.

Ela nunca disse aonde foi, nem repetiu a experiência. Quando já crescida era interrogada, dizia as mesmas coisas do dia em que retornou. Foi algo dela, apenas dela. E apesar de seguir o destino que aos 16 se descortinava, suas perspectivas sobre os fatos foram alterados para sempre. Sabia que teria uma filha, e que aos 16 ela também iria sumir. Sabia a experiência que ela teria, o lugar, as pessoas, as fogueiras, os cânticos, a revelação. E isso só a deixava mais feliz.