sexta-feira, 1 de julho de 2011

Conto Inacabado


Tudo começou com uma fuga. Uma janela aberta, um lençol desarrumado e um quarto vazio. De manhã, ao notar que ela havia desaparecido, o desespero tomou conta das pessoas da casa. Procuraram nos arredores, ligaram para a polícia, falaram com os donos das vendas do bairro, o pessoal da igrejinha, as velhas fofoqueiras da rua debaixo... E nada. Um dia se passou, a tristeza tomou conta da mãe. Apenas 16 aninhos, ela repetia insistentemente. O pai olhava para o nada, com tomado pelas dúvidas. Foi sequestro? Ela fugiu? Por que não deixou um bilhete? Por que não ligou? Será que fui muito duro com ela em algo? No que se eu deixava essa garota fazer tudo? O irmão parecia meio alheio a tudo. Como irmão mais velho, sentia-se responsável pela caçula, sempre a defendia, conversava longamente sobre todos os assuntos... E não se lembrava dela ter citado a intenção de fugir. Tampouco ouvira algo do seu quarto, vizinho e com paredes tão finas que ouvia o barulho dela bocejando ao ir dormir.
Cinco dias se passaram, e nenhum sinal de vida. A polícia suspeitava de fuga, pela ausência de pedido de resgate ou de sinais de arrombamento na casa. A mãe chorava sem aviso, o pai estava cada dia mais confuso e o irmão ainda tentava se alocar naquela situação. O quarto fora arrumado aos prantos pela mãe, que achou estranho nada faltar. Todas as peças de roupa, maquiagem, documentos, dinheiro, tudo estava lá. Como ela fugira sem levar nada? Mas concordava que não havendo arrombamento a melhor hipótese era a fuga. Apenas 16 aninhos...
O pai ia para o trabalho e ficava de olho no telefone. Sempre fora muito amigo dela, ela ia ligar primeiro para ele. Saíam juntos com grande frequência, conversavam bastante... Era presente e parceiro dela, uma dupla dinâmica. Tinha a certeza que ela voltaria, que ia falar que foi uma brincadeira, dar um abraço e ser prontamente perdoada por todos eles.
O irmão ia para a escola, perguntava aos amigos dela se sabiam de algo. Ao fugir da aula para fumar escondido, ficava imaginando por onde ela andava. Namorado não era, conhecia todos e era temido por eles. Então o que poderia ser?

Passada uma semana, a resignação apareceu e um pensamento funesto se apossou de todos. Ela, que nunca tinha passado uma hora sem avisar onde estava não dava notícias. Começavam a se entregar à ideia de terem perdido ela para sempre.
E nesse momento, ela entrou em casa.

Espanto, choro, perguntas. Ela não parecia ter ficado uma semana fora. Mesma roupa, bem tratada, sorriso no rosto e apenas uma leve surpresa pelo desespero deles. Ninguém conseguir arrancar uma reposta dela sobre as razões da partida, nem qual foi o destino. Após duas horas interrogando, ameaçando e implorando, desistiram. Tudo bem ela voltara. Agora não havia mais razão para se preocupar. A normalidade seria restaurada, e novamente seriam um lar feliz.

Ela nunca disse aonde foi, nem repetiu a experiência. Quando já crescida era interrogada, dizia as mesmas coisas do dia em que retornou. Foi algo dela, apenas dela. E apesar de seguir o destino que aos 16 se descortinava, suas perspectivas sobre os fatos foram alterados para sempre. Sabia que teria uma filha, e que aos 16 ela também iria sumir. Sabia a experiência que ela teria, o lugar, as pessoas, as fogueiras, os cânticos, a revelação. E isso só a deixava mais feliz.




Nenhum comentário:

Postar um comentário