segunda-feira, 11 de junho de 2012

O desabafo

- Sabe o que é pior doutor? É essa sensação de vazio, essa falta de objetivo pra nada na vida. Pra que tentar algo, se não der errado vai ser insignificante. Afinal, se eu consigo um emprego, no que isso muda minha condição limitada como ser humano? O que eu agrego para meus iguais? Aliás quem são esses, que nunca estão por aqui? É impressionante como numa cidade com milhões de habitantes você acaba se sentindo mais sozinho. O que você acha, doutor?
- Minha senhora, eu te entendo mas...
- Nem tudo é solitário por aqui? Claro que não. Até tenho vários amigos, saio bastante e vivo rodeada de pessoas boas, mas o que do que me adianta? Ninguém me entende, são pessoas que só vem a mim quando estão se sentindo solitárias e sem programas melhores pra fazer. Assim que suas vidas melhoram um pouco elas fazem questão de me deixar sozinha, à míngua. Enquanto estão tristes sou a companhia ideal, afinal eu sou tristíssima... não é verdade?
- Parece sim, mas a senhora tem que ver que...
- Nem todos são assim? Discordo, não se salva um. Mas não posso tirar a razão deles, ninguém gosta de gente triste. Eu também não gosto, inclusive não há nada que me enerve mais que alguém querendo falar de como sua vida é dura e como tudo dá errado pra si, enquanto eu vivo aqui, nesse estado de miséria e ninguém se compadece. Tenho que ouvir todos e nunca ser ouvida. Me acham a pessoa mais forte do mundo quando sou eu que mais precisa de cuidado. E não tem um pra cuidar de mim, veja só que coisa. Ainda tenho que ouvir, das poucas vezes que me abri assim como estou fazendo com você, doutor, que eu não tenho do que reclamar. Tenho minha casa, carro, um emprego que sempre foi meu sonho, dinheiro, já viajei por aí... mas isso é a insignificãncia, isso não me torna alguém mais feliz. Nada material sustenta a felicidade, né?
- Acho que sim, mas...
- Ajuda? Claro que ajuda, podia ser muito pior, eu sei. Podia viver num barraco, ou ter arrumado um emprego que eu detestasse ou um casamento horrível. Tentaram me casar quando eu era mais nova, acho que é por isso que estou solteira até hoje. Trauma né? Mas o que fazer? Homens são todos iguais, não confio em nenhum desde o meu pai, aquele traste. Bebia que era uma desgraça só, chamava a gente de todo tipo de nome... Minha mãe sabe do que eu tô falando. Mas hoje em dia ela não me entende, acha que eu devia perdoar, como se essas mágoas caducassem assim. Pra melhorar mais, todos riam de mim quando eu era pequena e usava óculos. Pobre, feia e usando óculos, vê se pode! Agora que eu cresci muitos daqueles moleques se arrependeram de ter me rejeitado.
- Sei... Olha, minha senhora, eu preciso te dizer uma coisa...
- Que eu devia esquecer tudo que falaram pra mim quando eu era pequena? Não, não e não. Já ouvi isso e não funciona. Riam de mim, nunca consegui superar... Eu só queria me enturmar, ser legal igual eles eram, mas riram de mim. Sei que isso é algo terrível pra se guardar, mas não consigo deixar pra lá. Já deviam me agradecer por esquecer a idéia de me vingar de todos eles... Isso sem contar que já esqueci mais da metade, mas não o que foi feito. Mas doutor, o que você acha que eu poderia fazer? Era uma criança, e era a piada na rua e em casa! Eu precisava de algo pra rebater. Me escorei no cigarro, na bebida e tive um leve caso com outras coisas, mas ninguém nunca se preocupou comigo. Ah, mas é muito bom estar aqui com você. Precisava tanto desabafar, ser ouvida por alguém... O que você me diz, doutor?
- Olha, quase entendo tudo o que você me disse. Mas acontece que seu terapeuta faltou, minha senhora. Eu sou o jardineiro.

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