sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Sobre desertos e a Humanidade.

Estive bem por algum tempo, mas agora há muita tormenta. Veja, meu caro: não importa para onde se olhe, o deserto tomou conta.
Ainda há um oásis ou outro, porém a cada dia a desolação cresce, tornando inabitável lugares antes agradáveis. Paisagens de areia e tempestade, onde nada há de crescer fora seres terríveis e vorazes, que devorarão sua carne e tomarão sua vida por pouco. O pó será o destino de quem se atrever, junto com seus sonhos e realizações. De nada valerão suas obras; seus projetos celestiais ou profanos, de pequena ou grande escala, feitos de heroísmo e de covardia serão subjugados e esquecidos. Tornar-se-ão mais grãos na aridez infindável, e não serão mais conhecidos pelos seus semelhantes.
Haverão também aqueles que se perderão. Não se desmancharão para unir-se ao deserto, mas sim vagarão sem rumo por entre suas dunas e caminharão lado a lado com as bestas, devorando aqueles que adentrarem enfrentarem os raios e a areia. Estes serão os amaldiçoados, com seus olhos vazios e almas corrompidas e derrotadas. Farão mal pior que o deserto, trarão tristeza mesmo a seus entes queridos, desfazendo-os gradativamente para então alimentar os animais da tempestade, pois serão agora movidos por isso. Incapazes de se felicitarem por si ou de regozijarem-se na alegria do próximo, farão de tudo para torná-los poeira, obtendo assim combustível para si.
Agora falarei de quem ainda vive à margem do deserto. Vivendo ao lado da desolação, há o contraste necessário para percepção da real condição do lugar onde se está; porém, por algum motivo, não se faz essa comparação. Questionamento vão é aquele em que se diz em qual lugar da luz é mais brilhante, em qual região o ar é mais leve e quais as vantagens de se possuir mais bens. Uma vez em que é possível viver e ter seus sonhos e projetos, irrelevante é aonde se está; tampouco deve ser incentivado o pensamento de que é necessário sempre ter mais, para aumentar a distância entre si e o próximo. É preciso entender que mais vital é evitar o aumento de população do deserto. É compreender que é mais preciso ajudar um semelhante à beira da areia, ou algum que está caindo no canto dos malditos, aqueles para quem uma palavra de real preocupação e de solidariedade farão a diferença. Esqueçam suas mesquinharias e rixas egoístas. Façam de seus lugares menos salões vazios e mais salas abertas aos viajantes, aos que estão para se perder, ao que ainda não se fixou e se leva como a folha no vento. Sejam mais felizes com o próximo sendo alegrado; tenham desprendimento material e de alma; dedique um momento para seus queridos, e um minuto para os desconhecidos.
Sejam, de forma sincera, felizes e gratos por não estarem em risco de afundarem na areia e de se perder em dunas, e não sejam coniventes ou lenientes ao ver alguém se desmanchando no pó.
Pois, apenas assim, terão total certeza de que seu tempo de vida, por mais curto que seja, foi proveitoso.
Logo, essa é a resposta para sua indagação sobre como me sinto sobre a humanidade, meu caro. Faça disso um guia, desconsidere se quiser. Mas o alerta foi dado: apenas aqueles que o levarem em conta terão tempo para se corrigir e não tornar-se mais um grão de areia no deserto.

Dos escritos perdidos do Sábio Longínquo.



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