sábado, 20 de junho de 2015

Prólogo II - Iluminado

Conta-se que tempos atrás houve o duelo final entre o Iluminado e seu maior inimigo. O grande defensor tombou, mas não sem levar seu maior rival junto, encerrando seu conflito longo e penoso.
Mas o que não é dito, porém, é a noite que antecedeu essa última batalha, aquela que deveria ter encerrado de vez por todas a Guerra - e não torná-la mais franca, como ocorreu.
Sabendo graças à imensidão de seus poderes que sua hora estava próxima, partiu de seu castelo no Mundo-que-não-Existe e foi encontrar-se com seu antigo mestre na Terra, "Aquela-que-devora-sonhos", mortal para os aprendizes e inabitável para qualquer ser de outras realidades. Cruzou florestas cinzas, cidades verdes, mares bravios, oásis maravilhosos mas letais e por pessoas mortas [enterradas ou em pé].
Cruzou realidades irreais e desertos de cheios de sonhos até chegar na mansão oculta em uma caverna escondida entre a sombra e a luz, seu antigo sítio de treinamento.
Adentrou o salão outrora majestoso, mas agora abandonado e cheio de pó. Olhou para prateleiras vazias que apenas serviam de suporte para teias de aranha. Viu as armas que ficavam orgulhosamente penduradas nas paredes douradas e altíssimas jogadas num canto, enferrujadas e destruídas. E no centro do salão principal, de costas para a porta e em posição de meditação a pequena figura com uma longa barba branca, seu mentor.
- Venho de longe e procuro audiência com o sábio - ele disse, confiante.
- O sábio não se importa de quão longe vieste e não deseja qualquer contato convosco - ouviu de resposta.
- Mas mestre, por favor, preciso saber se há como evitar o que vai acontecer.
- Não há. Tu sabes. Agora parta.
- Ainda não. Preciso de aconselhamento e o arrancarei à força se necessário - disse isso e cerrou os punhos. Nunca havia se levantado contra seu mestre antes, mas o desespero o cegava, o medo o abalava e nada mais importava a ele.
- Ah, vejo que perdeste o último vestígio de sabedoria - riu o velho encarquilhado - Sabes bem que derrotaria você em um milhão de vezes que tentasse algo e ainda assim nada conseguiria de mim. Porém, pouparei-o de uma vergonha maior da que passará amanhã. Tens direito a três perguntas.
Confuso e envergonhado, Iluminado, abriu as mãos e respirou.
- O que houve com este lugar°
- Tua influência. Não destruíste as trevas, apenas as fez procurar abrigo. E aqui elas estão.
- Mas você não as expulsou? Por quê?
- Não há existência sem equilíbrio, Sou, também, feito de trevas, e delas me compadeço. Isso sem contar o fato que em nada elas podem me prejudicar - disse isso gargalhando vigorosamente. Logo depois se acalmou e prosseguiu - Claro, alguém que é apenas luz, como tu, não tem como entender. Mas o que parece destruído e abandonado a você apenas é mais um estado de minha vida, que assim como outros passará. Transitoriedade e renovação: assim a vida é, ao menos para a maior parte das pessoas.
Iluminado não tinha certeza se tinha entendido, mas só lhe restava uma pergunta, que ele preferiu fazer:
- Então não tem como evitar o que acontecerá? Mas não será meu fim, certo?
- Vou ignorar que há duas perguntas, estúpido pupilo - riu novamente - Não, você terá que enfrentar o monstro e cair nas garras dele. Tua morte, ainda, trará um período de conflito mais sangrento e horrendo do que o atual, e nada que farás irá evitar.  Também não será seu fim, embora a continuação de sua existência não mais seja essa, campeão da luz. Duvido que lhe seja aprazível.
Ainda confuso, porém sabendo que não mais tinha direito a perguntar, o guerreiro virou as costas e deixou a mansão. Queria, do fundo do coração, que seu mestre o chamasse pela última vez e dissesse para não ir, que iria protegê-lo. Na verdade, queria que qualquer um fizesse isso: as Senhoritas da dimensão R, mulheres guerreiras que ele havia ajudado uma porção de vezes. Os estranhíssimos Sonhos Abandonados, com suas cicatrizes e marcas das dificuldades que impediram sua realização e que precisaram de livrar da opressão dos Sonhos Realizados. As Sombras Diurnas, o enlouquecedor grupo de impossibilidades que foram aliados improváveis na Grande Batalha no Sol.
Ainda na Terra, Iluminado foi atrás de todos os grupos ou indivíduos que cruzaram seu caminho [mas sem revelar o que aconteceria]. Viu sua antiga rua, ainda com seus prédios baixos de tijolos aparentes e sua atmosfera opressora fazendo conjunto com o cinza e a chuva da cidade.

Ao ver que não conseguiria qualquer apoio ou abrigo para aquela noite, Iluminado resolveu retornar ao seu castelo. No caminho para retirar-se, bem na passagem para o primeiro deserto, havia um homem que parecia observá-lo. Iluminado sabia que ninguém naquele ramo de existência o veria caso ele não quisesse, e ele não havia se tornado visível para ninguém no momento. Porém ali estava um homem, de cartola, monóculo e fraque, o olhando fixamente.
Iluminado seguir seu caminho, enquanto o homem o seguia com a cabeça. Ao chegar na passagem, Iluminado olhou para o homem e perguntou:
- Está me vendo?
- E lhe ouvindo - respondeu o homem
- E quem é você?
- A pergunta real é quem é você - disse com um sorriso largo, mostrando todos os dentes - Não responderei isso a quem não sabe que é a si mesmo, tampouco para onde irá.
- Eu sei quem sou - disse-lhe - Sou o Iluminado, campeão da luz, protetor da vida, portador da Magia Verdadeira. Luto contra a Realidade Fria, que arranca sonhos e esperanças dos corações e transforma felicidade em cinzas. Trouxe a vitória à meus pares, evitei o assassinato de vários e lutei grandiosas batalhas. Vou agora para meu castelo, presente da rainha das Fadas em agradecimento por salvar o Sonho Puro, no Mundo-que-não-existe.
- Isso é o que você acha que é. Eu vejo um cadáver em formação. E esse cadáver irá se tornar um morto-vivo.
- Não sabe o que diz. Não irá me amedrontar. Quem é você? Quem o mandou aqui? Responda! - novamente, estava com medo e ofegante, e fechou os punhos.
- Relaxe, cadáver, não vai me tocar. Sou um fantasma, até para você. Agora, para as outras perguntas, posso dizer apenas que sou um fantasma de tempos futuros. Siga seu caminho e me verá ainda duas vezes em sua existência. E nada mais te digo.
Iluminado piscou e o fantasma desapareceu
.
Foi para seu castelo, onde passou a noite. No dia seguinte, dizem alguns relatos, enquanto ele estava agonizando nas presas gigantes de seu inimigo, parecia que falava com alguém.
Há ainda outros relatos de que seus servos mágicos o viram enviando uma carta e chorando.
O que se sabe é que o mundo nunca mais foi o mesmo, e que a Guerra não terminou com seu sacrifício.




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