terça-feira, 2 de junho de 2015

Ciclo de criação

Sentou na frente do computador e começou a escrever. Tinha uma vaga ideia de personagens e história, mas ia desenvolver conforme fosse digitando. Nem tudo tem que estar projetado desde o início, né?
Teria um reporter. Ele estaria fazendo uma reportagem qualquer, sobre a feira de carros de flores quando algo catastrófico aconteceria. Talvez uma queda de meteoro, com milhares de vítimas, destruição total de uma cidade [que seria a do repórter? Ou só uma questão de estar no lugar errado na hora certa?], o furor causado pelo impacto na humanidade, pessoas encarando sua mortalidade e vulnerabilidade, o protagonista testemunhando o horror das pessoas... Hm, não.
Ok, mantemos o reporter. Mas qual acontecimento então? O aparecimento, no meio da matéria, de um antigo rival. Durante anos, os dois tiveram uma competição acirradíssima em quem teria o maior furo de reportagem, numa cadeia grande de TV que apoiava essa disputa nem sempre leal para o posto de número 1. Agora, os dois estão cara a cara, vencedor e perdedor, para uma última disputa que decidirá de vez a rixa e... acho que não funciona também.
Vamos lá: a ideia do rival é boa. Uma alternativa é cair para o humor: os dois na verdade eram uma dupla, que há tempos faziam reportagens com grande audiência, mas por um desentendimento sobre cortes de cabelo decidiram seguir caminhos diferentes. Enquanto o reporter seguiu o estilo antigo, com uma linguagem mais simples e sempre no meio do povão, o rival sofisticou-se à beira do afetável, priorizando a imagem e linguagem rebuscada para ser tratado com credibilidade. Ambos, ao se encontrar, fazem comentários sarcásticos sobre seus trejeitos ["Ora, se não é o mauricinho das feiras de origami. O que faz aqui? Tem sashimi gourmet e ninguém me avisou?" "Claro que é o caipira sensacionalista que cobre festival de buchada. Me diz, algum desses carros é puxado pelo seu público?"] e entram nessa disputa, com os passantes sofrendo entre o fogo cruzado de comentários.
Fraco, mas um começo.
Então, e se na verdade fosse uma aventura? Um dos donos de carro sofre um ataque misterioso. Nosso protagonista o ampara no momento da morte, e recebe um mapa com a localização de um artefato secreto, que muito interessa forças militares e de outras nações. Seu adversário descobre isso, e oferece seus serviços a essas entidades, com propósito de roubar essa descoberta e ficar famoso. Segue-se uma corrida através de países, lutas em cenários exóticos, armadilhas, alianças e traições. E no final... Parece que já fizeram muitos assim.
Num futuro distante, a profissão do personagem principal tornou-se desnecessária. Talvez por apego [lembrança de parentes?] ele se mantém firme, tocando sozinho um jornal adaptado para as novas mídias mas que não consegue fazer frente para os robôs autônomos que captam e distribuem as novidades. Ele, sozinho e num lugar onde a rede de informações do futuro não alcança, testemunha um assassinato cometido por esses robôs, feito apenas para gerar uma manchete instantânea. Agora ele deve revelar isso para um mundo que considera isso impossível, e de quebra recuperar seu antigo amor que cuida desses aparatos eletrônicos produzido pela indústria de seu antigo rival de universidade.


Esse tinha potencial, pensou. Releu a sinopse, descartou as propostas anteriores e ajeitou a cadeira para escrever.
Após duas horas, não gostou do que escrevera e apagou tudo.
Desligou o computador e foi dormir.



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