terça-feira, 28 de junho de 2011

O que você quer da sua vida?


Respostas sem sentido voam em um turbilhão. Nunca havia pensando sequer na possibilidade de estar vivo hoje, quanto mais no que ele gostaria para o resto de sua vida [algo que assim como todas as dimensões maiores que o comprimento de seus braços, um ser humano é incapaz de entender].  Havia pensado em ser astronauta ou jogador de futebol quando pequeno, quando adolescente um executivo bem sucedido, quando adulto um profissional respeitado na área que se formou e mais tarde qualquer coisa com dinheiro. Aceitava até se um bundão notório, desde que rico.
Então, passados mais de três décadas vivendo mais por consequência do que por escolha, surge essa questão. “Oras, se eu pudesse ter escolhido já teria escolhido, mas me tiraram esse direito, tive que trabalhar, então o leque foi se fechando e quando vi estava aqui, grudado numa mesa, mexendo num computador vulgar e exercendo minha digna função de número corporativo” pensa ele. Olha fundo nos olhos de seu interlocutor, procurando coragem para falar isso, sem qualquer alteração. Respira fundo.
- Eu gostaria de continuar crescendo nessa empresa, e me tornar um gerente de seção ou algo assim.
- Mesmo? Olha, eu estava olhando seu trabalho, e se você não faz com muita má vontade, você é completamente incompetente.
Bang. Sabia que não havia como sair algo bom de seu trabalho mesmo, por um misto extremamente peculiar de tendências anticapitalistas e frustração por ser um bundão notório, mas pobre.
- O senhor me julga mal – balbucia, mas é interrompido.
- Não me leve a mal. Estou aqui para orientar funcionários a encontrar melhores lugares na organização. Vi que você se formou em sociologia, mas está atuando num setor financeiro. A questão é: por quê?
- Eu quis entender o sistema antes de ganhar dinheiro nele.
- E funcionou?
- Estava indo bem até você aparecer – disse isso com uma convicção tão fraca que se a frase fosse “Você é um peixe” dita para um atum, teria causado uma crise de identidade no dito cujo.
- Não, não estava. Senão eu não estava aqui conversando com você. Vejamos o que podemos fazer... Posso inscrever você num curso da área, tentar transferi-lo para um setor que mais lhe agrade ou recomendar um novo emprego. O que você prefere?
- Nenhum delas. Quero terminar essa conversa e voltar para o meu trabalho – Surpreendeu-se dizendo. Esperara uma saída por tanto tempo, e agora que chegara ele estava recusando?
- Que você faz igual a sua bunda. Vamos escolha uma.
Pensou. O que aquele cara sabia afinal? Como ele dizia que o trabalho dele era ruim? Ele já viu sua bunda? Talvez no banheiro, embora ele não saiba precisar o dia. Talvez tenha sido quarta. E ele não gostou da sua bunda? Ou foi um elogio velado?
- Sabe, muito obrigado pela sua preocupação. Sério, muito obrigado mesmo. Mas se já acabou tenho um monte de trabalho pra fazer – A tensão dominava seu corpo. Queria gritar pra que o seu emprego fosse tomado, deixando-o sem alternativa. Na rua da amargura, aonde ele poderia recomeçar como um hippie vendendo miçangas e tomando toda sorte de chá alucinógeno. Quase podia sentir o gosto do chá de fita que fizera há tantos anos atrás...
- Tem certeza? Essa é a chance de você voltar a se realizar profissionalmente. Quem sabe até ganhar mais. Mas isso tem que partir de você.
Olhou nos olhos do entrevistador novamente. Tinha um grito de “Viva a igualdade entre as comunidades naturistas do baixo Parnaíba!!” preso na garganta. Estudou por um instante a possibilidade de chutar o que havia em cima da mesa, soltar um urro irracional e correr pra longe dali. Ia ser diferente, dessa vez tudo ia mudar. É a chance que ele esperara a vida toda. 1, 2 e...
- Decidiu?
Foi por um triz. Aquela frase tirou-o da espiral em que tinha mergulhado sua consciência. Afinal de contas, era muito tarde, e muito pouco.
- Obrigado. Vou voltar pro meu trabalho.
Foi com um sentimento de vitória. Aquele maldito funcionário do sistema injusto não havia conseguido controlar sua vida. Agora ele estava na merda, mas sem caridade ou ajuda de ninguém. Um bundão notório, apenas por seus próprios esforços. Pela primeira vez desde que se empregara ali, fez seu trabalho feliz.



O entrevistador voltou para sua casa mais cedo aquele dia. Não estava surpreso com o fracasso com o caso do dia. Sabia que ele seria demitido daqui a umas duas semanas não importa para qual setor fosse. Nada pior que um idiota frustrado numa empresa de vencedores. A vida é para os fortes, quem fica para trás não merece consideração. Ao chegar em casa, surpreendeu seu marido com outro na cama, deu um escândalo, largou tudo e hoje vende miçangas numa estrada do interior.

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