quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Ondas

E aqui novamente estou olhando para mar. Você sabe por que venho aqui todo dia? Porque eu me lembro dela.
Eu era muito jovem. Eu tinha muito medo. Embora pouco tivesse vivido, já tinha sido rejeitado por vezes demais. Meu coração já estava partido e amedrontado além da conta. E no entanto, lá estava ela. Resplandecente, iluminada. E eu, um buraco negro. Demorou ate ter coragem de sequer falar com ela. Demorou mais ainda para conseguir articular uma conversa. Eu estava lutando com meus próprios demônios, com minha inabilidade de encaixar. Ela, tímida de início, tornou-se popular e sorridente, desabrochando na maravilhosa flor que é.
Com muito custo, consegui me aproximar mais, com desajeitados esforços para chamar a atenção. Tudo o que eu fazia, nessa altura, era para que eu conseguisse ser botado em meio a tanta gente. Tornei-me seu amigo, e cada segundo de conversa e companhia era sagrado e dourado. Me contentava com isso, tinha amostra do que seria ter relevância naquele universo tão distante do meu dia a dia sofrido e solitário.
Mas não era só eu que estava na idade de apaixonar; logo ela começou a ter encontros com outras pessoas, e cada vez menor fui ficando. Arrumei uma garota que disse que gostava de mim, e no meu desespero para me livrar de mais sentimentos tortos (como poderia ter ciúmes de alguém que nunca me iludiu, que nunca se interessou por mim?) mas a dor era tão enorme que quase desgracei uma vida além da minha.
Nesse ponto, já havíamos há muito nos separado nas voltas que a vida dá. Vi inúmeras viagens que ela havia feito, principalmente para o mar, e muitas vezes apenas para ele.
Dei um jeito na maioria de minhas dúvidas, ganhei algo de confiança e vivi a minha vida com um furo gigante no peito, mas vivendo.
E um dia, ela apareceu. Conversamos pouco, só o suficiente para que eu tivesse o mesmo sentimento aflorando e me atormentando. Continuava a mesma flor maravilhosa e iluminada que eu havia conhecido.
Combinamos de nos encontrar ou de conversar mais, não me lembro.
Mas claro, não havia mais tempo.
Por isso, hoje venho aqui olhar o oceano. Inconstante, mas sempre presente na minha vida. A tristeza de estar perto mas não ter o afeto. Ver se espalhando para todos os outros enquanto amo em silêncio.
A culpa e só minha, a dor também.
Por isso, meu amigo de nariz de bronze, voltarei amanhã para ver o mar e contar essa história para você.
Até.


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